Lembro-me de ler um artigo noutro blog em que se especulava que máquinas digitais usariam alguns dos fotógrafos mais famosos da história se vivessem nos dias de hoje. Foi curioso observar que uma das associações que mais deu que falar foi a de Henri Cartier-Bresson a uma Nikon V1.
Mesmo que com algumas reticências, julgo que concordo. Apesar de ser conhecida a preferência que este fotógrafo dava às Leica M, não nos podemos esquecer que estas máquinas eram a melhor ferramenta que existia na altura para o estilo de fotografia que Henri Cartier-Bresson praticava.
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Até há bem pouco tempo, uma máquina fotográfica compacta era sinónimo de uma qualidade de imagem medíocre por culpa dos diminutos sensores com que habitualmente este tipo de câmara era equipada. Mas hoje em dia a oferta de máquinas pequenas com bom desempenho já é vasta: os grandes sensores que anteriormente apenas se viam nas dSLR começaram a surgir em corpos mais pequenos (o fenómeno mirroless). Neste aspecto a Nikon teve uma abordagem curiosa ao optar por manter os sensores APS-C apenas nas suas dSRL e criar o sistema Nikon 1 com um novo formato de sensor de 1″.
Um sensor de 1″ pode não impressionar quando comparado com os formatos maiores, mas é significativamente superior aos “antigos” formatos mais pequenos utilizados em compactas e telemóveis.
Acho este novo formato interessante. Pode vir a prolongar a vida do mercado das compactas, cada vez mais decadente por culpa (merecida) dos smartphones. Um sensor de 1″ é suficientemente pequeno para equipar máquinas de bolso (não nos podemos esquecer que quanto maior o sensor, maiores têm de ser as lentes), mas é também suficientemente grande para garantir um sólido avanço em termos de qualidade de imagem.
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Inicialmente não dei muita atenção a este novo sistema da Nikon, mas há dois anos atrás, quando procurava uma câmara pequena que complementasse a Fujifilm X100, cheguei à conclusão que a V1 era a melhor escolha para o que pretendia. Esta decisão foi até para mim um pouco surpreendente tendo em conta que, em muitos aspectos, a V1 é como que uma antítese da X100.
As diferenças saltam à vista: enquanto na X100 o nível de controlo é imediatamente visível com todas as rodas e botões no corpo da máquina, a V1 é mais “minimalista” (adjectivo simpático para dizer que é mais básica).
Até certo ponto, algumas das diferenças eram desejadas. Afinal o objectivo era ter uma máquina que colmatasse as duas principais limitações que sentia com a Fujifilm X100: a objectiva fixa de 23mm (equivalente a 35mm) e o ritmo de utilização mais lento.
O primeiro problema é resolvido pelo sistema de objectivas intermutáveis da Nikon V1.
A objectiva zoom Nikkor VR 10-30mm f/3.5-5.6 que vem de origem (equivalente a 28-80mm) pode ser algo limitada a nível de diafragma, mas compensa em versatilidade de distâncias focais. Em situações de baixa luminosidade ou de maior exigência no que toca a resolução, substituo o zoom pela excelente e luminosa focal fixa Nikkor 18,5mm f/1.8 (equivalente a 50mm). Agrada-me bastante a combinação entre a 35mm da Fuji e a 50mm da Nikon: as duas distâncias focais clásssicas da fotografia de rua.
Jardim da Estrela, Lisboa 2013 © Ricardo Silva Cordeiro
Fotografia nocturna com a Nikor 18,5mm a f/1.8. O zoom básico é surpreendentemente bom, mas a Nikkor 18,5mm é provavelmente a melhor objectiva para o sistema Nikon 1.
Quanto à velocidade, estas duas máquinas estão em patamares muito diferentes. A V1 é um verdadeiro monstro no que toca à rapidez de disparo e auto-foco. É de facto a máquina mais rápida que alguma vez usei. Tem um auto-foco praticamente instantâneo (foi aliás pioneira na tecnologia de auto-foco híbrido capaz de rivalizar com as dSLR) e uma velocidade de disparo de até 60 fotografias por segundo, mesmo em modo RAW e na resolução máxima. Isto faz com que, ao contrário do que acontece com a X100, não se possa culpar a máquina por não ter apanhado uma fotografia no momento certo.
Para além destas diferenças entre as duas máquinas, na escolha da V1 foram também importantes e decisivas as características que tem em comum com a X100 (e que são para mim cruciais na fotografia de rua):
– Corpo compacto;
– Visor integrado (neste caso electrónico);
– Disparo silencioso;
– Formato nativo de 3:2 (a maioria das compactas é de 4:3)
– Boa qualidade de imagem (pelo menos com valores ISO mais baixos).
Mencionados todos os factores positivos da Nikon V1, vamos agora aos negativos. Até porque, quem já leu sobre esta máquina, deverá ter reparado que todos estes elogios contrastam com outras opiniões que circulam.
É verdade que a V1 sofre de alguns problemas de design e interface: a falta de controlos directos que nos obriga a recorrer ao menu para alterar coisas tão básicas como o modo de prioridade ao obturador ou diafragma, a disposição de botões mal pensada e o facto de ser obrigatório ver a fotografia depois de ser tirada (mesmo no visor) são algumas das características que me fazem questionar o que passou pela cabeça dos engenheiros da Nikon. Nos novos modelos que entretanto surgiram (V2 e V3) estes problemas foram resolvidos, mas mesmo com falhas, a V1 é a máquina deste sistema que mais me agrada: a V2 é demasiado volumosa e a V3 não tem visor de origem. Há que contar ainda que a “má fama” deste primeiro modelo acaba por lhe conferir uma grande vantagem a nível de preço. No meu caso, consegui comprar uma V1 em segunda mão, ainda com um ano de garantia e com o zoom básico por menos de 200 euros. Preços como este tornam mais fácil ser menos exigente com a máquina, bastou-me perceber e aceitar as limitações da V1 para não me preocupar com elas: geralmente configuro a máquina em modo de prioridade ao obturador 1/500S e auto-ISO 100-400. Esta configuração resulta em 90% das situações e permite-me não me preocupar com mais nada sem ser fotografar.
Falando em limitações, é também inevitável referir a qualidade de imagem do sensor de 1″ com valores ISO mais altos (800 para cima). De facto, com a V1 evito passar de ISO 400 para ter a garantia de que a qualidade é suficiente. Os ficheiros RAW da V1 geralmente precisam de ser mais trabalhados do que os de máquinas com sensores maiores (principalmente a nível de cor) mas nada que seja muito limitativo dada a surpreendente quantidade de informação que os ficheiros RAW retêm.
Campo de Ourique, Lisboa 2013 © Ricardo Silva Cordeiro
Ficheiro RAW sem tratamento (esq.) e pós-produção final (dir.). Este talvez tenha sido o primeiro caso de recuperação mais extrema com que me deparei, o céu pareceu ter ficado demasiado exposto e a parte inferior sub-exposta. Foi possível recuperar facilmente os detalhes das nuvens e equilibrar a luz na zona mais escura em baixo, uma prova do excelente alcance dinâmico do pequeno sensor de 1″.
Claro que, ao contrário do que afirmou um dos representantes da Nikon quando o sistema Nikon 1 foi lançado, a qualidade de imagem não está ao mesmo nível de uma máquina com sensor APS-C, mas de facto está mais próxima de um destes formatos maiores do que das compactas vulgares, o que é notável.
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Como é sabido, a escolha de uma máquina fotográfica depende do que é pretendido pelo fotógrafo. A V1 pode não ser a ferramenta ideal para fotografar à noite ou produzir imagens plenas de detalhe quando impressas em formatos maiores, mas para fotografia de rua é mais que suficiente. A qualidade é no mínimo semelhante à do filme de 35mm usado por Henri Cartier-Bresson, é visível algum grão ou ruído nas imagens, mas nada que torne impeditivo fazer boas fotografias.
Tudo isto faz-me pensar que opinião teria Henri Cartier-Bresson da Nikon V1. Apanhar o “momento decisivo” é certamente mais fácil com a super-rapidez desta máquina. E o sensor pequeno traz a vantagem de poder usar máquina em hiper-focal mesmo com valores de diafragma mais baixos, algo de extrema utilidade na fotografia de rua. Estas características talvez fossem encaradas como um facilitismo excessivo tendo em conta o orgulho que este fotógrafo tinha na sua técnica. Mas é também necessário desmistificar a ideia de que os grandes fotógrafos só fazem uma fotografia de uma determinada cena e que sai tudo bem à primeira. Quem já teve a oportunidade de ver provas de contacto sabe quão longe da realidade está esse mito.
© Henri Cartier-Bresson / Magnum Photos
Versões alternativas (esq.) de fotografias conhecidas (dir.) de Henri Cartier-Bresson.
Nunca saberemos se Henri Cartier-Bresson conseguiria ser mais produtivo com uma Nikon V1, mas creio que pelo menos conseguiria continuar a oferecer-nos fotografias com o mesmo nível de qualidade.
No meu caso, não posso dizer que a Nikon V1 tenha transformado a minha forma de fotografar como fez a Fujifilm X100, mas é uma máquina que encaixou perfeitamente na rotina de fotografia de rua que já tinha com a Fuji. Utilizo-as frequentemente em simultâneo: cada uma pendurada num ombro diferente, vou alternando entre as duas conforme necessário, com uma fluidez que me faz sentir preparado para todas as situações.